quinta-feira, outubro 14, 2010

Coalescence - Capítulo 06: Entre Água & Fogo

[Jasper]

Isso dói. Eu não conseguia nem respirar por causa da dor. Eu nunca tinha sentido dor assim, e isso era o suficiente para me convencer a retornar à ela imediatamente.

Mesmo que isso significasse que eu não me alimentaria.

Mesmo que isso significasse que eu não descobriria o que Alice estava escondendo.

Eu senti a preocupação de Vasily um momento antes de seu braço vir ao redor de meu ombro. Ele tinha sorte que eu o senti chegando; se ele tivesse tentando fazer isso sem aviso, eu teria instintivamente arrancado seu braço de seu corpo.

“A primeira vez é sempre a mais difícil”, ele disse.

“Nós não agüentávamos ficar separados pelos primeiros seis meses”, assentiu Lena enquanto ela pegava a outra mão dele. “Fica mais fácil com o tempo, mas nunca deixa de doer totalmente”. Ela sorriu um sorriso sábio para seu companheiro. Felizmente, ele deixou seu braço cair de meus ombros.

“Nós estamos contentes de vocês terem achado um ao outro” Mai-Li me acalmou. “Eu sei que é difícil, mas esta sempre foi a escolha dela. Ela é muito boa e muito rápida, e se ela disse que estará aqui pela manhã, ela estará”.

Eu continuei andando. Eu precisava me alimentar. Eu precisava saber.

Quem eu estava tentando enganar? Eu precisava da Alice.

Respirei fundo e estremeci. A garantia deles ajudou, mas não muito. Tentei acalmar minhas próprias emoções e ver a antecipação que os outros sentiam.

“Vocês todos disseram isso muitas vezes até agora. Vocês disseram, ela ‘saberia’. O que ela sabe que eu deveria confiar nela?” Eu perguntei. Enquanto estávamos juntos, melhor que eu use o tempo sabiamente.

Senti imediatamente o ataque de ansiedade.

“Ela te ama. Com certeza você consegue ver isso”, disse Mai-Li um pouco rápido demais. “Ela não mentiria para você”.

Interessante escolha de palavras considerando que mentir era exatamente o que ela estava fazendo. Mais interessante ainda, ou talvez patético, era o quanto eu deveria ligar e não ligava. Tudo o que eu queria era estar com ela de novo.

No entanto, eu tinha que comer. Eu tinha que saber.

Claro. Apenas fique falando isso para si mesmo.

“Não é isso que você quer dizer quando fala isso”, eu pressionei.

Ansiedade mudou para preocupação e hostilidade, especialmente de Chi-Yang. Claro que a resposta natural dele para tudo parecia ser hostilidade.

“Agora não é hora de discutir sobre Alice”, disse Ivan com uma indiferença forçada. Ele olhou significativamente para seu irmão. “Depois que comermos, talvez. Nós estaremos correndo logo, de qualquer forma.”

“Para onde estamos indo?” Eu perguntei, tentando distrair ambos e a mim mesmo.

“Newark”.

Eu não tinha idéia de onde era isso, mas estávamos andando em direção à ponte. Enquanto a escuridão escondia nossas formas, os outros começaram uma corrida letal, e eu tentei acompanhá-los. A dor aumentava infinitamente a cada local passado.

Se eu não tivesse cercado pelos outros, eu teria desistido e corrido atrás de Alice o mais rápido que pudesse. Entretanto, eu estava com eles, e eu precisava saber. A resposta de Ivan e todas as outras reações confirmaram meu maior medo. Ela estava mentindo, e o que quer que fosse o segredo, ele era importante.

Na hora que alcançamos a ferrovia do outro lado do que deveria ser a suja cidade de Newark, o sol já estava totalmente no céu, e minha mente estava em total desordem.

“… E então isso deixa a parte mais ao sul para mim”, Ivan estava falando. Eu o olhei com curiosidade.

“Você ouviu uma palavra do que eu disse?”

“Não, nada na verdade”, Eu admiti timidamente. Eu me senti como um idiota. Eu estava entre vampiros que podiam vir para cima de mim a qualquer momento, e eu estava perdido em pensamentos.

Tenha controle sobre si mesmo, soldado.

Ivan seguiu impaciente. “Sua área é a parte norte. Apenas vá lá para caçar e nos encontre no armazém.”

Assenti. Eu precisava colocar pelo menos uma milha entre eu e os outros, mas eles me garantiram que os trabalhadores da ferrovia estariam aos montes agora que era primavera. Isto foi como nos velhos tempos. No breve período que Maria comandou Houston, nós comemos assim, e a ilusão dessa vida fácil era forte. Ter uma cidade e comer dela quando nós desejássemos era o sonho de qualquer vampiro. Milhares tinham sido criados e destruídos na batalha por tais direitos. Foi para isso que eu fui criado.

Eu corri para o norte, a antecipação por sangue levando meus pés enquanto minha mente e emoções seguiam entorpecidas. Isso não seria tão fácil quanto costumava ser. Minhas cuidadosamente construídas paredes estavam quebradas na melhor das hipóteses e estavam destruídas na pior delas. Não apenas isso, mas eu podia sentir novamente. Estar com Alice estava ressucitando emoções que eu demorei décadas para destruir. Até agora, a dormência tem sido minha salvação. Não sentir costumava ser uma benção. Agora que eu não estava mais dormente, me alimentar doeria como o inferno.

Capturei o cheiro ao mesmo tempo que meus ouvidos capturaram o som. Roncos. Graças a Deus. Se eles estiverem dormindo, talvez eu não tenha que lidar com muita coisa.

Eu me preparei e fortifiquei minhas barreiras.

Senti o monstro tomar minha mente enquanto meu corpo se aproximava do sangue. Eles estavam juntos, minhas presas. Quatro homens dormindo em um carro pequeno. Os roncos reverberavam contra o metal e a madeira. Se eu fosse cuidadoso, eles não acordariam.

Eu deixei o vampiro me tomar e avancei no primeiro homem. No meu próprio estado confuso eu mordi fundo demais, e meus dentes arranharam os ossos do pescoço dele. Seus olhos abriram em choque por breves segundos, e seu terror rugiu por mim. Eu bebi rápido, derramando um pouco de sangue pela profundidade da minha mordida. Senti seu choque ir embora rapidamente, mas não antes do terror se transformar na perda agonizante e sem esperança. O terror havia me acertado profundamente, mas a falta de esperança me tomou e me colocou de joelhos. Nem em vinte anos eu tinha sentido as emoções de uma vitima tão cruas contra as minhas próprias.

Eu me sentei por um momento, tentando apagar a intensidade das emoções dele. Elas quase me derrubaram.

Naquele momento eu decidi pegar o homem morto e sair. Eu não precisava me alimentar. Eu não poderia agüentar isso, não esta noite. Imaginei se eu seria capaz de agüentar de novo. No entanto, aquele breve momento que eu decidi deixar os outro vivos os condenaram. Um homem jovem, ainda esguio a sua idade, explodiu com emoções que só poderiam significar uma coisa. Eu olhei para trás e vi seus olhos. Ele havia visto.

Lutei contra seu medo paralisante e o terminei o mais rápido que eu podia. Seu sangue era doce, mas o medo e a tristeza de sua vida perdida me abalaram, e eu gemi de dor enquanto eu finalizava com ele. Suas emoções eram afiadas e dolorosas, e eu deixei seu corpo sem vida cair com um baque. Caí com meus cotovelos ao lado dele e tentei lidar com as conseqüências da emoção de duas vitimas em meu frágil coração. Era como veneno em uma ferida, o primeiro corte pálido em comparação com a queimação intensa. Percebi que eu estava respirando pesado e desigualmente, e que meu corpo estava tremendo. Eu ouvi os soluços antes de saber que eles eram meus.

De repente a dor dobrou, torcendo meu estômago enquanto meu corpo reagia aos sentimentos. Eu caí no chão com o golpe. Medo, terror, perda.

Os outros dois acordaram com meus soluços.

Havia apenas uma opção, e eu me escondi atrás do monstro como havia feito nos últimos oitenta anos. Eu mal conseguia ver. Eu mal conseguia registrar o que eu estava fazendo. Bebi e matei por instinto enquanto as emoções deles me queimavam e me deixavam desamparado. Na ultima batida de coração eu caí no pequeno carro, e me curvei na posição de um feto. Eu me segurei, tentando controlar minhas próprias emoções enquanto as últimas emoções deles queimavam em minha memória e então sumiam.

O mais rápido que pude, eu cambaleei para fora do carro, respirando profundamente o ar puro. Devagar, eu registrei o cheiro de fumaça, e olhei para o pequeno fogo. Várias brasas ainda estavam quentes embaixo das cinzas, então eu as coloquei cuidadosamente no chão do carro usando uma pá. Pegando galhos e folhas, eu os trouxe, e deixei o fogo se espalhar sobre os corpos dos mortos.

Fiz o que eu devia.

Cambaleei para uma pilha de madeiras de ferrovia, e desabei sobre elas. Eu tive que organizar meus pensamentos e controlar minhas emoções antes que qualquer outra coisa acontecesse. Eu me amaldiçoei. Amaldiçoei o mundo, e então eu ri da ironia disso. Eu era a maldição do mundo.

Eu me senti traído pela mesma esperança que me trouxe de volta à vida. Eu comecei a sentir de novo. Eu havia começado a viver novamente. Mas eu não poderia viver, sentir e ser um vampiro. Eu não poderia estar morto e vivo. Isso não era possível. Isso não poderia ser feito.

A verdade da minha vida me atingiu com força total, eu estava sem saída.

Eu precisava de Alice. Eu precisava de seu amor. Precisava sentir a vida que ela me deu em cada minuto que estive com ela.

Mas eu não poderia ter Alice e ser um vampiro.

Senti a rajada de ar quente quando o teto do carro desabou nas chamas, mas eu mal notei isso. Com outra guinada do meu estômago eu percebi como minha vida era realmente sem esperança. A própria idéia de que eu poderia achar amor era absurda. Eu estava morto, como eu poderia sequer pensar que poderia achar vida?

À minha direita, ouvi a voz berrante de Vasily chamando meu nome. Escondi minhas emoções atrás de minhas barreiras remendadas e fiquei de pé em pernas instáveis.

Eu não podia amar Alice. Eu não sabia amar. Não sabia se eu sequer tinha essa habilidade ainda. Eu não poderia sentir amor e morte. E eu não podia viver com as mentiras dela.

As mentiras dela. O pensamento me gelou. E se tudo isso fosse uma mentira?

A voz do russo chegou mais perto, e comecei a correr rapidamente de volta para ele. Eu descobriria o segredo por trás dela, e então eu decidiria o que fazer. Mesmo na minha mente atormentada, eu não poderia imaginar deixá-la sem saber. Talvez em seu segredo havia uma razão para eu ficar. Ou razão o suficiente para ir embora.

“Jasper! Nós estávamos começando a imaginar se você teria fugido”, ele riu alto.

“Não”, eu ri de volta. “Apenas me certificando de que a bagunça foi limpa”, e eu apontei para a fumaça subindo no céu escuro.

“Ah, entendi. É bom da sua parte ser tão preparado. Nós temos tido muitos problemas com comedores desleixados. Você gostaria de vir lutar conosco? Chi-Yang estava falando sobre seu movimento de arremesso, e nós amaríamos que você nos ensinasse isso”.

Sorri mas gemi interiormente. Meu estômago estava cheio a ponto de doer, e combater só iria agravar o problema. No entanto, os outros eram as melhores fontes de informação que eu tinha. Eles poderiam me ajudar a desvendar o que era o dom de Alice, e jogar com eles era uma boa forma de fazê-los se abrir. Eu projetei uma felicidade que duvidava que sentiria novamente e me juntei ao russo na corrida de volta aos outros.

Demorou por volta de duas horas de luta para ensiná-los e tê-los relaxados o suficiente para confiar em mim.

“Então, você disse que Alice é uma boa lutadora, mas simplesmente não consigo ver isso. Ela é tão pequena, quão letal ela consegue ser?” Eu perguntei, sabendo que a provocação os levariam ao tópico que eu precisava discutir.

Instantaneamente, eu me vi de costas e encarando uma Mai-Li sorridente. Eu estava impressionado, ela era boa.

“Não é sobre tamanho, Jasper Withlock. Alice é quase intocável. Aposto que ela te derrotaria facilmente”, ela disse cantarolando enquanto se levantava.

“Eu não sei”, ponderou Ivan. “Jasper é como uma cobra, rápido e seguro. Ela talvez tenha dificuldade lutando com ele”.

“Ela é como uma fuinha, e mais do que párea para sua, hmm, cobra”, riu Chi-Yang. Eu não acho que ele ainda estava falando sobre lutar. Os outros vampiros riram.

“O que a faz tão boa?” Eu pensei em voz alta, esperando que eles mordessem a isca. Houve um estranho silêncio, e então Mai-Li falou.

“Ela sabe. É como se ela pudesse dizer qual será seu próximo movimento, então você tem que surpreendê-la para vencê-la”.

“Isso é sorte,” argumentou Chi-Yang. “Eu acredito que ela pode alterar coisas incertas, como o mercado de ações e jogos. Lutar estaria nessa categoria. Ela pode alterar o que acontecerá. Acho que ela pode controlar a sorte”.

“Isso faria sentido. De que outra forma ela teria sentido a queda em ‘29’”? Lena assentiu. Era como se ela estivesse agora pensando nisso.

“Mas ela viu os outros quando atacamos as obras de ferro durante a última guerra de clãs,” interrompeu Ivan. “Isso é mais que sorte”.

“Ela quase foi morta naquela guerra. Duas vezes. Eu acho que pode realmente ser que ela sinta quando algo é com sorte ou não. Ela não pode nos dizer tudo, mas ela tem palpites. Chi-Yang, faz muito sentido”, argumentou Lena.

“Então, vocês realmente não sabem?” Eu perguntei, a derrota colorindo meu tom de voz mais do que eu queria. Até mesmo eles não sabiam com certeza qual era o dom dela. Entretanto, obviamente era um formidável.

“Na verdade não. Nós não ligamos. Ela nos faz dinheiro, é inabalavelmente fiel, e é divertida,” se irritou Vasily. “Ela sabe algumas coisas, mas não tudo. Eu não perguntei à ela, e nem os outros. Depois que a conhecemos, nós apenas confiamos em Alice, e o que quer que seja que ela faz é bom para nós.”

“Agora que você mencionou isso”, começou Mai-Li, “acho que eu vou perguntar à ela. Eu nunca realmente me preocupei sobre isso antes, mas seria bom saber.”

“Temos cerca de 4 horas até o amanhecer. Por que não voltamos e jogamos nos telhados até ela retornar?” perguntou Vasily. A idéia foi recebida com grunhidos de aprovação, e voltamos para o centro de Nova York. Foi um alívio correr de volta para a cidade enquanto cada etapa aliviava a forte constrição que se formou quando Alice se foi. Entretanto, nada aliviou minha mente. Eu imaginei porque enquanto corríamos Ivan permaneceu tão calado.

Ao entrarmos na cidade, eles explicaram as regras do futebol nos tetos. Teríamos que ir ao topo de três arranha-céus e tacar bolas uns aos outros em uma versão intensa de Queimada. Soava divertido, e se eu tivesse com o humor melhor, eu gostaria do jogo. O único benefício disso esta noite era que Ivan seria meu companheiro.

Nós pegamos nossos lugares em três arranha-céus planos e esperamos Vasily retonar com as bolas de baseball. Os outros passaram o tempo insultando uns aos outros em várias línguas. Eles realmente eram engraçados de se ver, e eu certamente teria me divertido esta noite se minha mente não estivesse em tamanho caos. Eu ainda não havia visto nenhuma maneira de poder ficar. Eu não podia encontrar uma forma de amar Alice e viver como eu precisava.

“Você é um soldado quieto”, disse Ivan quando Vasily nos atirou nossas bolas.

“Eu não tenho muito para falar.”

“Você tem muito para perguntar?”

Eu parei. Isso foi um truque? De repente o som de uma bola me alertou para o perigo, e eu me esquivei de uma e peguei outra em uma sucessão rápida. Arremessei as duas bolas de volta para Mai-Li, e peguei outra na qual eu dei uma perversa torção. Lena quase a levou na cabeça.

“Sim, eu tenho”, eu respondi sem olhar para ele.

Ivan riu e continuou o jogo por alguns minutos.

“Ela é maravilhosa,” ele sussurrou. A inesperada resposta veio com uma inesperada rajada de emoções, e a amarga sensação de ciúmes momentaneamente passou por ele. Interessante.

“Eu sei que ela é maravilhosa.” Acredite em mim.

“Ela é fortemente talentosa, e apenas o melhor é suficiente para ela.” Sua voz permaneceu quieta, mas o espinhoso sentimento de ciúmes raivoso apareceu novamente por um momento. Eu fui duramente atingido por uma bolada de Lena, mas não liguei para isso. Suas palavras me atingiram mais forte do que qualquer outra coisa naquela noite.

“Quão forte?”, minha voz estava muito áspera.

Ivan virou para devolver duas boladas, e eu senti outra bola atingir minhas costas como um canhão. Eu retribuí o favor e esperei a resposta ao meu destino.

“Ela é mais forte do que qualquer um que eu conheça. Seu dom é definitivamente mais forte que o de Paul, e provavelmente mais forte do que qualquer um dos Volturi, embora ela não saiba usá-lo propriamente.”

Engoli em seco, tentando me focar nas bolas que chegavam, mas não adiantava.

“O que você quer dizer por ‘propriamente’?” Eu nem tentei controlar o pânico na minha voz.

Ivan virou pra mim e encolheu os ombros. “Quero dizer que ela é jovem e não teve tempo de utilizar seu dom como ela deveria. Quero dizer que ela poderia governar nosso mundo se ela quisesse, mas ela desperdiça isso. Eu quero fizer que aquele que escolher amá-la deve estar apto a ajudá-la a alcançar seu potencial. Ela desperdiça seu tempo indo à faculdade e caçando animais enquanto ela poderia estar construindo um império. Claro, isso pode ser o melhor. Se qualquer um soubesse sobre seu dom, ela estaria em perigo constante.”

“Então, agora eu tenho perguntas para você, Jasper Withlock”, ele disse meu nome como se fosse uma palavra suja. “Você é aquele que é forte o bastante? Você está apto a amar e proteger o mais talentoso de todos nós? Você é homem o suficiente para ajudá-la em sua ascensão para a glória?”

Suas palavras cortaram meus pensamentos e me pegaram desprevenido. Foi como se ele tivesse ecoando as torturosas questões de meus pensamentos mais íntimos. Eu era o suficiente? A parte de mim que tinha acabado de voltar à vida gritou sim ao mesmo tempo que percebi que a resposta era não.

Ela era talentosa, possivelmente além de qualquer um que eu já tivesse encontrado. Ela era amada, não por causa de seu poderoso dom ou pelo o que ela havia feito, mas pelo o que ela era. Ela escolheu de alguma forma viver como um anjo, ao invés do demônio que fora criada para ser. Ela podia governar um império, e ela merecia um companheiro digno dela.

Eu não era este homem. Não acho que alguma vez eu tenha sido ele.

“Não,” ele suspirou profundamente, e um sentimento de trabalho feito cresceu nele como vapores saindo de um pântano. “Não, eu não achava que você era”. Ele sorriu e voltou à seu jogo.

Não, eu não era.

Senti como se o mundo estivesse me esmagando. O sentimento apertado de perda me pegou de uma forma que eu não podia escapar. Minha mente vagou e meus olhos se negavam a focar. Eu estava correndo antes de perceber que havia descido do prédio. Corri o mais rápido que pude, diminuindo a velocidade apenas para cruzar o rio Hudson, mais por instinto do que qualquer coisa. Eles não precisavam ter meu cheiro para me seguir.

Fugi até que o cheiro de humanos e de civilização não estivesse mais no ar ao meu redor. Diminuí a velocidade e descobri que estava em uma floresta aberta, à beira de um precipício que levava até um rio. Quando me virei, eu só conseguia decifrar as luzes da cidade através das árvores atrás de mim. Eu percebi que tinha uma dor aguda em ambas as mãos e olhei para baixo para ver minhas unhas cortando através da pele de cristal delas. Eu tentei libertá-las, mas elas permaneciam curvadas fortemente.

Eu precisava pensar, e precisava fazer isso sem as emoções e sugestões dos outros ao meu redor. Fechei meus olhos, deixando o som da água corrente me acalmar. Eu tentei me acalmar com poemas e músicas. Tentei me focar no barulho do rio. Nada do que fiz aliviou a dor violenta que ameaçava me rasgar em dois. Eu pude finalmente liberar um pouco minhas mãos, mas elas se fecharam novamente. Fiquei lá sem me mexer, as apertando e soltando, respirando pesadamente, apesar que eu não tinha razão para isso.

Ouvi-me rir amargamente. O som tinha uma ponta de histeria. Eu tinha acabado de saber que Alice tinha um dom além de qualquer medida, e isso me deixava em pânico. Eu ainda nem sabia qual era o dom. Não exatamente. As insinuações do que seu talento pode ser me deu uma premissa, e se eu estava pelo menos perto do que era, ela realmente precisava de um protetor. Ela precisaria de um exército deles. E ela precisaria de um homem muito melhor que eu.

Engraçado como este dia havia começado com questões sobre ela e terminado com questões sobre mim mesmo.

Porque agora esse era o centro do problema. Quem exatamente eu era? Estranhamente este pensamento me trouxe as mesmas imagens de meu passado humano que tinham me aparecido pela mente quando Alice e eu nos encontramos pela primeira vez. Nebulosas e quase imperceptíveis, elas brilharam como um farol na escuridão da minha vida.

Eu vi todos eles. Minha mãe sorrindo com orgulho enquanto eu andava em meu primeiro cavalo. As lágrimas de meu pai quando eu marchava para a guerra. Eu e meu avô pescando. Haviam se passado cinqüenta anos desde que eu tentei ver minha antiga vida, e fiquei espantado que ainda algo restava.

Minha mão foi espontaneamente para a pequena bolsa de couro no meu bolso.

“Não importa o que foi feito para você, ou o que aconteça, nunca desista do que é certo e justo. Nunca desista da esperança.”

Eu tremi com as palavras. Elas eram tão claras que poderiam ter sido ditas em voz alta por um homem ao meu lado. Entretanto, elas tinham sido ditas oitenta e oito anos atrás pelo meu avô em seu leito de morte. Mesmo perto da morte, sua voz havia sido forte.

“Nunca desista da esperança.” Sua voz forte me zombou de meu passado. Em uma tentativa masoquista, eu tentei capturar as imagens fugazes que acompanhavam as palavras. A biblioteca – ele havia me encontrado lá. Eu estava vestindo meu uniforme. Eu estava indo para a guerra, e eu tinha me refugiado no único lugar que me dava paz – mesmo antes de minha transformação estar perto de muitas pessoas era um desafio.

Tivemos uma longa conversa entre os livros. Nós falamos sobre suas memórias e sobre minha avó, e o amor impossível que eles tinham um pelo outro. Essa era minha ultima memória dele. A notícia de sua morte havia me encontrado meses mais tarde no campo de batalha.

Esfreguei minha mão sobre a antiga bolsa de couro. “Nunca desista da esperança”, ele havia dito enquanto me dava aquela pequena bolsa com seu precioso, mas estranho, tesouro. Minha mãe havia dado isso à ele para me dar. Eu só havia percebido isso agora. Senti o caroço dentro do tecido rachado, a única memória que eu tinha de minha vida como humano.

Resisti o impulso de esmagar a bolsa e moer seu conteúdo em pó.

Aquilo zombava de mim. O pequeno símbolo de vida, amor e esperança zombou de mim. Tirei minha mão para fora do meu bolso e sacudi meu punho para o céu. Esta foi uma tentativa fútil de forçar o destino a me achar. Eu ri novamente ao perceber que ele já havia feito isso.

Por que agora? Este era o meu castigo? Como se o inferno que eu havia enfrentado por oitenta anos não fosse o suficiente? Eu estava tão perto. Eu estava tão perto de achar a felicidade. Eu apenas não conseguia entender como alcançá-la. Minha salvação estava em meio a um abismo que eu não conseguia passar. Eu não sabia se eu tinha pelo menos coragem para tentar. A pressão que lentamente tem me estado esmagando se dobrou, e eu gemi com a dor.

Eu nunca poderia ser digno dela. Eu não era forte o suficiente para ela. Eu não poderia ser parte de sua vida. A pressão esmagadora foi aumentando até como se meus ossos fossem se esmigalhar.

Como um banho de gelo, a total realidade do que eu tinha feito desceu sobre mim. Isso não era sobre ela e nunca havia sido. Eu havia ficado bravo com sua mentira, mas eu também tinha mentido. Eu a questionei pelo seu dom, e ainda assim eu havia usado meu dom para manipulá-la sem lhe contar a verdade. Se era uma questão de sobrevivência para mim, quanto mais era para ela?

Eu me sentia preso, mas quanto da armadilha fui eu mesmo que fiz? Ela ofereceu sua vida abertamente, e eu me apeguei à ela como o homem morto que eu era. Não, ela não havia me puxado para uma armadilha, eu havia corrido para ela. Eu fiquei porque queria, porque eu precisava.

Como sequer considerei a possibilidade de eu ser digno de amor?

De algum lugar dentro de mim, o homem que tinha renascido de esperança se levantou e começou a lutar pelo amor que havia renascido nele. Eu estava surpreso que uma parte de mim estava disposta a lutar para proteger o que eu havia encontrado. O novo homem dentro de mim começou a enviar argumentos como trovões.

Você antes foi um homem bom, por que você não pode ser agora?

Fechei os meus olhos e lutei contra as memórias de morte. Não importa há quanto tempo isso havia sido, os choros, gritos e cheiro de fumaça doce nunca me deixariam. Ser bom está além de mim. Eu tenho sido maligno por tanto tempo.

Como você é pior do que os outros assassinos que Alice chama de amigos?

Eu não estava me comparando à eles. Eu estava me comparando com ela. Eles também não a merecem.

Quem merece? Quem é melhor para amá-la e protegê-la?

Eu nem conseguia imaginar outro homem amando-a. O próprio pensamento me encheu de fúria agonizante. Cada cristal em mim desejava ser seu amante e protetor, mas eu não podia fazer isso.

Alguém melhor que eu.

Quem é bom o bastante?

Senti-me rir amargamente. Isso não importa. Não sou eu, isso é tudo que eu preciso saber.

Se isso não importa, por que não pode ser você?

Simplesmente não era possível para eu ser seu companheiro. Não será eu, estou indo embora.

Você realmente pensa que você pode?

Isso me trouxe brevemente. Eu mal estava conseguindo ficar em pé aqui. Eu conseguiria sair e ir para mais longe?

Memórias do toque e da risada de Alice encheram minha mente. Sorri para elas, mesmo que elas me trouxessem dor. Eu estava indefeso contra as memórias de estar perto dela. Estava indefeso contra seu amor. Eu estava simplesmente indefeso.

A minha parte esperançosa cantou em vitória.

Eu não podia ir embora. Não havia como negar isso. Caí de joelhos em frustrada derrota. Eu não podia ser o que ela precisava, mas eu não podia deixá-la também.

Com a turbulência interna diminuindo, eu senti um novo conjunto de sentimentos, mas os sentimentos não estavam vindo de mim. Cuidado, antecipação, exaltação, fúria e ódio fervilhando. Atrás de mim, as emoções desenrolaram entre as árvores como névoa venenosa. Perto, elas estavam tão perto, e elas vieram para mim de todos os lados, crescendo forte a cada segundo.

Minha boca se curvou enquanto um rosnado áspero cresceu no meu peito. Meu corpo se colocou em posição de combate. Eu não tinha muito tempo, mas eu não estava totalmente despreparado. Isto, pelo menos, eu sabia fazer bem. Eu talvez não soubesse como viver, mas eu sabia como matar.

Eu me afastei da borda, indo para um caminho com mais espaço aberto. Sim, isso eu sabia fazer muito bem. Apenas poucos da minha espécie me odiavam o suficiente para me mandar ondas de ódio como aquelas. Eu me preparei.

De repente, as emoções foram juntadas com terror, dor e… amor. Isso atravessou as outras emoções como uma faca. Eu me virei para ver o rosto de Alice contorcido em agonia. Seus olhos estavam implorando com as mãos levantadas para mim.

“Jasper, por favor. Por favor, não me deixe. Jasper, por favor, não.” Sua voz quebrava e não passava de um sussurro. Estremeci com sua dor. Eu queria acalmá-la, parar a dor que vi em seu rosto, mas a necessidade de protegê-la ultrapassou tudo.

Com um rugido de agonia, lancei-me para ela, derrubando-a tão forte quanto eu conseguia para o outro lado do rio. Ouvi seu corpo bater contra a pedra com um baque doentio, mas eu não podia ficar para ver o que eu havia feito. Comecei a correr para longe dela o mais rápido que minhas pernas podiam agüentar. Seus gritos de lamento ecoaram de volta para mim enquanto eu fugia.

Eu não tinha escolha; eu tinha que salvá-la.


[Alice]

Eu sabia que tinha atingido algo. Eu sabia que estava deitada de costas e que meu corpo deve ter sentido a dor, mas enquanto olhava para as estrelas e nuvens, eu não conseguia sentir meu corpo de nenhuma forma. Algo estava terrivelmente errado.

De repente a realidade do que estava acontecendo me acertou tão forte quanto o muro de pedra. Uma bola de dor ardente cresceu a partir do meu centro e explodiu.

“Jasper!” Eu me escutei gritar as palavras. “Jasper! JASPER!” Cada vez que eu o chamava, minha dor fulminante crescia.

Obriguei-me a virar, e comecei a soluçar na terra barrenta. Meus punhos formaram crateras na terra molhada, enviando montes de lama pelo ar. Eu podia ouvir minha voz gritando, mas eram palavras que eu não reconhecia. Enquanto o sol nascia sobre mim, os gritos iam cessando, até que eles eram pouco mais que gemidos. Eu me enrolei e me segurei, tentando suportar as rajadas arrebatadoras de agonia.

A memória de seu rosto cheio de raiva e rugido feroz brilhou em minha mente. Ele tinha tentado me matar. O que eu havia feito? Por que ele me odiava?

Senti o tremor da terra ao meu redor enquanto eu soluçava. Havia apenas uma resposta à minha pergunta; ele me odeia pelo que eu sou. Eu sempre soube disso. As visões me disseram, mas me recusei a entender. Eu nunca seria dele, porque ele me odiava.

Gemi novamente e tentei levantar, mas a dor e meus soluços não deixaram. Comecei a ir para a água antes de eu sequer saber para onde estava indo. Parei e ri histericamente quando percebi que eu estava tentando atravessar o rio. Meu corpo estava tentando achar Jasper, mesmo que minha mente estivesse sendo destruída pela dor e pelo conhecimento de que ele não me queria.

A dor me invadiu novamente e me obrigou a me curvar na água rasa. Enquanto eu rolava em agonia, tentei achar uma solução para a dor, mas não havia nenhuma. A única coisa que era claro para mim era que eu não conseguiria viver assim. Quando o vi com Maria, isso havia chegado perto de me destruir, mas eu não estava pronta para morrer. Desta vez, a destruição estava completa. A água fria me ajudou a clarear minha mente o suficiente para saber que dessa vez eu escolheria a morte. Essa era a única opção que restara.

Chamas. O pensamento trouxe uma estranha calma para mim. Eu acharia chamas, e então a dor pararia. Não havia nenhuma outra razão para eu fazer outra coisa. Eu me empurrei mais ainda na escuridão fria do rio e mergulhei para o fundo. A escuridão fria me fazia bem. As chamas levariam à escuridão porque, quando as chamas apagassem, não haveria mais nada. O nada era preto.

Minha mente foi preenchida com a visão do grande incêndio. Isso estava bem claro agora, e eu podia ver as árvores e ouvir risos. Isso era o que minhas visões estavam me dizendo. Isso era irônico; antes eu já tive tanto medo de olhar para as chamas, e agora isso era tudo o que desejava. A visão desapareceu, mas eu quis que ela retornasse. Eu tinha que olhar para as chamas desta vez. Eu tinha que ver meu futuro claramente. Trouxe de volta a visão e olhei fundo para as chamas e, quando o fiz, meu grito abafado foi afogado pela água correndo em volta de mim.

As chamas ainda estavam lá, mas não eram para mim. No meio do fogo estava o corpo dilacerado de Jasper. As chamas estavam lambendo sua face e transformando seu cabelo dourado em cinzas enquanto eu observava.

Lutei com água enquanto ela enchia meus pulmões. Eu me joguei ao longo do rio, fiz meu caminho pela lama grossa, até que eu estava vomitando a água fora dos meus pulmões, na margem oposta. Então comecei a subir furiosamente à beira do penhasco na minha tentativa de chegar à Jasper. Quando eu finalmente fiz meu caminho ao topo, rapidamente encontrei seu cheiro, tomando sua essência em meus pulmões.

E eu estava cheia de ódio e medo.

Seu cheiro era misturado com três, não, mais de três, outros. A visão do fogo invadiu minha cabeça novamente, como se ela estivesse me apressando para ir para frente. Minhas pernas começaram a se mover sem necessidade alguma da minha mente. Corri desesperadamente pela floresta enquanto seguia os cheiros.

Ele me odiava, mas eu não ligava. Ele nunca iria me querer, mas eu lutaria para salvá-lo. Eu daria boas-vindas às chamas, mas eu não poderia deixá-lo morrer nelas. Corri como nunca havia feito antes até a face da morte e da perda.

Eu não tinha escolha; eu tinha que salvá-lo.

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