quinta-feira, outubro 28, 2010

Coalescence - Capítulo 12: Encruzilhadas

Nota da Autora: Jasper disse para Alice que ele não pode viver como um vampiro e amar. Esse capítulo explora o motivo. Aviso, Jasper o vampiro é um indivíduo bem assustador.

[Jasper]

Inalei profundamente o aroma inebriante de Alice, e senti mais uma vez a onda de emoções que eu não conseguia nomear. Era muito frustrante sentir uma emoção que eu não podia analisar e categorizar, mas tal era o seu efeito sobre mim. Seus dedos minúsculos encontraram seu caminho ao meu redor, e esperei por seus braços me cercando. Aquele não era seu plano, no entanto, e suas unhas cuidadosamente rasparam no lado de meu corpo, criando um rastro tanto de calor quanto arrepios de gelo. Eu não estava esperando por isso, e me enrijeci. Então suas unhas começaram a cutucar alegremente minhas costelas causando uma intensa sensação de incômodo que fez meus braços se debaterem contra o meu corpo.

Ela sorriu maliciosamente e deu uma risadinha. “Você tem cócegas?”

“Não”, eu respondi com firmeza e um pouco rápido demais. Tecnicamente, eu não sabia se tinha ou não, mas minha reação tinha me assustado, e eu tinha certeza que eu não queria saber a resposta à sua pergunta.

“Alguém já tentou fazer cócegas em você?” ela perguntou com o diabo dançando em seus olhos. A pequena capetinha estava planejando fazer isso, disso eu tinha certeza. Parte de mim amou esse fato, e uma parte de mim estava receoso de que eu realmente tivesse cócegas, isso seria uma sentença de morte nesta casa. Ivan e Vasily adorariam isso.

“Vampiros não fazem cócegas uns nos outros,” levantei minha sobrancelha como aviso. “E nós não temos cócegas”.

“Isso é um fato?” ela perguntou se divertindo, e começou a correr seus dedos pelas minhas laterais. Eu me encontrei debatendo de forma quase incontrolável. A sensação era maravilhosa e hedionda ao mesmo tempo, e quase cambaleei para trás por causa da sensação.

Maldição! Eu tinha cócegas. Como poderia um guerreiro como eu ter uma reação tão infantil à uma sensação física? Como raios eu vivi durante oitenta anos e não sabia disso?

Alice riu em triunfo e me abraçou apertado.

“O que vou fazer com você?” Eu rosnei em frustração.

“Você está com raiva porque tem cócegas?” Ela riu novamente, olhando para mim com inocência fingida.

“É uma fraqueza. Fraquezas vão nos matar.”

“Não vou usar isso em você durante a batalha. Eu prometo”, disse ela com uma seriedade falsa enquanto ela cruzava seu coração.

“Não é com você que estou preocupado. Eu não posso ter um ponto fraco agora. Muita coisa depende da minha força”, eu disse as palavras mais intensamente do que pretendia.

“Jasper, sei que você está sentindo ainda mais pressão do que eu, mas, sinceramente, como cócegas podem ser uma fraqueza no campo de batalha? Você acha que um deles vai tentar te derrubar indo cutucar suas costelas?” Seus braços estavam cruzados e ela parecia que estava prestes a rir.

“Não é com nossos inimigos que estou preocupado,” eu resmunguei, imaginando dois russos e um grande chinês conspirando contra mim.

Alice riu novamente, mas desta vez havia decididamente um tom maligno nisso. Suas mãos correram para atrás dos meus joelhos, e os senti indo para frente por conta própria enquanto eu gritava de surpresa. O movimento forçou Alice contra meu peito, e ela mais uma vez atacou as laterais do meu corpo, mas desta vez eu reagi.

“Pare com isso!” Avisei enquanto tentava, sem sucesso, agarrar as mãos dela, mas ela apenas riu mais forte. Seus dedos começaram um movimento tortuoso em direção de minha barriga, e eu urrei de frustração. Estiquei meus braços para além do meu corpo, e puxei Alice em um abraço apertado de urso. Ela gritou em falso protesto mas continuou a atacar, então enrolei meus braços em todo o redor dela e fui atrás de suas costelas por trás.

O efeito foi impressionante. Ela arqueou suas costas e esguelou em protesto. Gritei em triunfo, e comecei o meu contra-ataque vigoroso. Ela não apenas se contorceu deliciosamente como também se contorceu esfregando seu corpo contra o meu de uma maneira incrivelmente íntima. Fraqueza ou não, cócegas tinham definitivamente algumas vantagens.

Nós dois começamos a nos contorcer e nos esquivar enquanto íamos um contra o outro. De repente, o sofá debaixo de nós gemeu e caiu, nos jogando para trás, em uma bola apertada de risos. Minha gargalhada estourou com minha recém descoberta alegria de brincar com Alice. Eu tinha esquecido como era divertido simplesmente estar com ela. Nós rolamos, derrubando os móveis ao redor, enquanto continuávamos nossa luta no chão.

Até que, de repente, Alice ficou mole contra mim. Segurei-a pelos poucos segundos que ela levou para retornar. Quando ela voltou, toda a alegria da brincadeira tinha ido embora.

“Vasily e Lena vão matar um grupo de três”, disse ela, sem emoção alguma.

“Quando?”

Ela ficou fora do ar por um momento antes de responder. “Logo. Pode estar acontecendo agora. Os três lutaram como recém-nascidos, mas sem a força. Por que Carlos enviaria combatentes sem treinamento contra eles?”

“Porque é uma maneira excelente de se livrar dos novatos. Enviá-los em batalha sem a sua força, e se sobreviverem, mantê-los”, eu disse com uma amarga auto-aversão. Isso sempre foi o meu método preferido de me livrar dos novatos porque era muito mais fácil do que fazer o trabalho sozinho. Fiz uma careta com a memória do monstro que eu tinha sido. O mesmo monstro que estava disposto a me tornar novamente.

“Carlos só queria que nós o livrássemos de combatentes inúteis?”

“Não, ele quer nos embalar em um sentimento de superioridade”, eu disse, com certeza. A alegria se foi enquanto o soldado aparecia.

“Alice, eu sei que você não quer isso, mas é hora de montar a armadilha. Posso atrair os lutadores mais experientes para longe da cidade, enquanto você conduz o exército principal rio acima. Nós podemos apanhá-los no vale do rio Hudson”. Então percebi que nem todo o medo era dela. Eu não estava apenas a protegendo, mas estava mandando ela para longe de mim, e o simples pensamento dessa ação me causava uma ansiosa dor. No entanto, esta guerra não poderia ser vencida sem enganar o nosso inimigo.

Ganhar também requisitava a ajuda dela.

“O que você vê acontecendo? Alice, você disse que isso ia funcionar, me diga agora, o que acontece?” Implorei desesperadamente. Eu precisava de seu dom para nos manter vivos.

Ela olhou para o chão, e pude ver seus ombros caírem com o peso da tarefa que eu lhe tinha dado.

“Você sobrevive.” Suas palavras eram silenciosas e tristes.

Eu a envolvi em meus braços, e deitei sobre a poltrona e sofá. Ela se jogou sobre mim, deixando-me acariciar seu cabelo e suas costas enquanto ela derretia lentamente contra meu corpo. Sua tristeza me cobriu.

“Eu não deixarei você”, jurei de novo. “Nunca”. Senti suas emoções ficarem imóveis enquanto eu continuava a passar minhas mãos sobre seu corpo. Recitei essas palavras de novo e de novo, na esperança de torná-las verdadeiras, e de tentar usá-las como um talismã contra um destino que, até agora, tinha me quebrado e me destruído. Sempre senti que não eu tinha controle sobre o mal que era a minha vida, mas isso tinha que mudar agora. Eu tinha que ser forte o suficiente para retornar. Eu tinha que controlar o meu destino não importa o que levasse para isso acontecer. Desta vez, as palavras tinham de se tornar realidade.

Os depósitos de transporte ferroviário no porto de Newark cheiravam como morte e poluição. Óleo, combustível diesel, dejetos humanos e ranço suor deram ao negro lugar um cheiro maligno. Por dentre os odores devastadores, eu estava tentando detectar o cheiro de álcool. Eu precisava de um bêbado, de preferência um inconsciente, para fazer minha corrida até aqui parecer autêntica. Alice tinha, contra seu melhor juízo, me fornecido o local onde eu poderia comer e fazer pouco dano à mim mesmo. Em algum lugar atrás da casa de máquinas e do monte de carvão um grupo de homens estava desmaiado. Ou assim eu esperava. Eu precisava que a artimanha funcionasse perfeitamente para que eu retornasse para Alice.

Minha mente retornou para a última imagem que eu tinha dela. Ela tinha ficado aterrorizada. Não apenas com a batalha ou por me perder, mas o velho medo, o medo infantil e culpa a fraquejaram quando eu parti. Ela foi forçada a agarrar-se a si mesma, envolvendo seus esbeltos braços em torno de seu pequeno corpo e apertando forte para parar o medo intruso. O olhar de agonia em seus olhos foi quase suficiente para me fazer ficar. Mesmo que o plano fosse bom, eu teria ficado para manter Alice longe de tanta dor. Se houvesse alguma forma de contornar isso, eu nunca teria saído de seu lado. A única coisa que me estimulou foi a promessa de sua segurança.

Mesmo agora, o desejo de retornar à ela e segurá-la estava rasgando minha vontade de terminar esse combate. Eu lutei contra as emoções e foquei a minha mente em minha caça, tanto para encontrar a minha presa quanto para cumprir a minha parte do plano. Encontrei o cheiro depois de apenas alguns passos, e rapidamente me alimentei satisfatoriamente de três homens. Para meu grande alívio eles nunca acordaram, e seus companheiros restantes nem perceberam enquanto eu quebrava seus pescoços. Aprendi há muito tempo atrás em nunca deixar inúteis homens vivos onde eles poderiam alimentar meus inimigos.

Havia uma pequena parte de mim que protestava minhas ações. O homem que tinha recentemente renascido gritava que a perda de vidas estava errada, mas eu não podia ouvir as suas advertências. Eu estava em uma guerra, o meu lado humano não tinha lugar aqui. Empurrei para trás as emoções e pensamentos e me foquei apenas em ser o vampiro que eu era. Eu tinha de me tornar o meu monstro interior de modo que eu pudesse sobreviver a esta luta. Com meu cheiro espalhado ao longo do pátio ferroviário, tudo que eu precisava fazer agora era esperar.

Caminhei pelo pátio, mas só por algumas centenas de metros antes que o ar em volta de mim estivesse pesado com a expectativa e sede de sangue. Minha boca automaticamente se contorceu enquanto a minha própria raiva e sede se assentavam no local. Todos os meus outros pensamentos se dissiparam na pressa que o veneno e ódio me inundavam. A antecipação da batalha era tão familiar que eu simplesmente adentrei nela. A sensação era de um conforto natural, como colocar boas botas de couro que se moldavam a cada movimento meu.

No entanto, desta vez, a pressa estava marcada pela necessidade. Eu tinha algo para o qual voltar, algo pelo que lutar, e como a minha última batalha, me certificar de que Alice estava segura vinha antes de qualquer coisa. Eu tinha uma promessa a cumprir.

Como eu tinha feito desde meu renascimento, usei meu dom para conduzir meus movimentos. Eu podia sentir oito indivíduos distintos nas proximidades e pelo menos outro à distância. Eu esperava que o nono fosse um membro do grupo de Nova York, pois oito contra um não eram boas chances.

Comecei a me posicionar em uma área na qual sabia que poderia usar em meu benefício.

Em poucos segundos, o grupo se dividiu, e os três primeiros correram para mim à toda velocidade. Senti outros três contornando os vagões e outros dois subindo pela casa de máquinas atrás de onde eu estava. Eles estavam esperando para pular em cima de mim, de surpresa. Em alguns dias, eu amo o meu dom.

Eu preparava meu ataque quando uma onda de pura alegria veio da minha direita. Vasily estava lá, e ele percebeu quantas pessoas estavam atacando. Ele estava quase dando risadinhas com a possibilidade de elevar seus números.

Uma fração de segundo antes que os três me alcançassem, eu me agachei no chão e estendi bem meus braços. Dois se estatelaram no chão, tendo sido derrubados por minhas mãos, e o terceiro se lançou sobre meu corpo, se virando no ar, e então pulou em mim por trás. Claro, eu estava pronto para seu ataque. Ele veio por baixo, me pegando com mãos largas. Este era um lutador, o que me agradou, porque a minha esguia figura era difícil de segurar. Peguei suas mãos com as minhas próprias e o joguei em seu companheiro que estava em pé e tentando me atacar pela lateral. Ouvi Vasily vociferar em triunfo enquanto eu sentia a dor da morte próxima.

“Um!” ele gritou em júbilo.

O terceiro vampiro tentou me agarrar ao redor da cintura, mas pulei para o seu lado e envolvi meu braço ao redor de sua cabeça. Virei-me com ele, balançando-o como um escudo. Vasily passou por mim rapidamente enquanto os dois vampiros da casa de máquinas saltaram para o chão.

“Oito?” Ele ria enquanto agarrava o menor vampiro e o dobrava para trás até ele arrebentar.

“Atrás de você!” Eu gritei em alerta, mas o recém-nascido já estava em suas costas, e o lutador estava se lançando contra seu peito. Eles estavam cometendo o erro fatal de escolher o maior para atacar primeiro.

Agarrei o que estava em minhas mãos com ambos os braços, atirando-o em direção ao lutador, e então usei seu cabelo como uma alavanca para puxá-lo de volta, separando a cabeça de seus ombros. Isso não a separou totalmente, mas foi perto o suficiente. Seus ásperos balbucios podiam ser ouvidos durante a luta enquanto ele apertava seu pescoço rasgado e caia. Seu medo e desespero rasgaram para dentro de mim, e eu esmaguei minhas próprias emoções novamente com toda minha força. Eu tinha que ser mais forte que o meu dom.

Puxei o lutador para longe de Vasily e gritei para ele se virar. Ele imediatamente obedeceu, prendi o lutador em um abraço de urso em torno de sua cintura, e o atirei na cabeça do que estava por trás de Vasily. Ouvi o estalo do encontro das duas cabeças, e Vasily riu enquanto ele começava a socar o rosto do atacante com a parte de trás de sua própria . Segurei o homem que se contorcia com meu braço esquerdo para que eu pudesse assim segurar seu cabelo com a mão livre. Usei a cara do lutador para bater repetidamente na cabeça do atacante que estava atrás de Vasily.

O que estava em meus braços foi capaz de me alcançar por trás e agarrar a minha própria cabeça, tentando me puxar para a frente enquanto eu segurava em sua cintura e cabelo. Eu estava imediatamente fora de equilíbrio e incrivelmente vulnerável, mas eu podia sentir a fria felicidade de Chi-Yang vinda da floresta, e eu sabia que a ajuda estava chegando. Um grito estridente veio de sua direção, seguido de uma risada. Ninguém gostava de matar tanto quanto Chi-Yang.

Com um alto estalo, a cabeça do que estava sobre Vasily se rachou um pouco, e o surpreso vampiro parou de se mover. Usei o momento para tentar conter fatalmente o lutador, mas antes que eu pudesse obter um melhor aperto sobre ele, um corpo bateu em meu lado, forçando-me contra chão e o liberando de meus braços. Ambos os vampiros começaram a me bater fortemente, mas antes de que qualquer dano fosse feito, eles foram arrancados de mim.

“Há”, riu alegremente Vasily. “Três!”

Ouvi um alto ‘harrumph’ vindo de Chi-Yang enquanto eu me colocava novamente em pé e verificava meu corpo. Eles haviam feito apenas pequenos danos.

“Onde estão os outros?” perguntou o russo impaciente enquanto ele terminava de remover a cabeça do primeiro que eu havia vencido.

“Você não pode contar aquele!” protestou Chi-Yang.

“Cale a boca”, veio a resposta resmungando.

Apontei para uma linha de vagões e Vasily correu. Chi-Yang olhou para mim com consternação. “Bem, ele não pode”, ele disse enquanto nós corríamos para encontrar os últimos três. Um estrondoso baque nos indicou para onde olhar. Um carro-tanque estava deitado de lado, derramando seu conteúdo a partir de uma abertura ao longo de seu lado superior. O que quer que estivesse lá era à base de petróleo, e agora o chão estava molhado e apto a se transformar em um inferno de chamas se não tivéssemos cuidado. Naturalmente, isso seria uma maneira bem útil para queimar os intrusos e camuflar nossa batalha aqui.

Senti uma onda de perverso prazer e outra de medo paralisante, pouco antes de ouvir o rasgar metálico e estalo. À minha direita, Vasily e Ivan acabavam de quebrar mais um ao meio. Os irmãos estavam sorrindo um ao outro.

Um sentimento agudo de medo à minha direita me deixou saber que pelo menos um outro estava escondido entre os vagões, e pulei para o mais próximo carro apenas a tempo de pegar um vislumbre do vampiro em fuga. Eu gritei para Chi-Yang e parti atrás dele. Se não fosse por minha capacidade de perceber seus humores, eu nunca teria sido capaz de pegá-lo no labirinto de vagões ferroviários. Pulando no topo dos carros, Chi-Yang e eu fomos capazes de seguí-lo até a extremidade do pátio. Chi-Yang o agarrou, torcendo o vampiro em pânico, e rapidamente retirei sua cabeça. Nós dois carregamos os pedaços dele de volta para o carro-tanque agora em chamas.

“Todos já eram,” assentiu Ivan, indicando o entulho brilhante que estava desaparecendo rapidamente na chama. O sentimento familiar de vitória inundou-me com o seu êxtase intoxicante. A única coisa que me chamou de volta à terra foi o fato de que Alice estava ao norte daqui liderando um exército para longe. Um exército que era meu para matar. O predador em mim gritou em triunfo e antecipação de mais batalhas. Agora eu ansiava por matança. Eu tinha sede por batalha e pelo direito de lutar e ganhar segurança para mim e minha companheira. Todos nós tínhamos.

Sem outra palavra, nós fomos na direção da foz do rio Hudson e às nossas companheiras. O único som que havia enquanto corríamos foi uma discussão entre Chi-Yang e Vasily sobre como dividir as mortes.

Eu não podia me preocupar com sua pequena desavença. Na verdade, a única coisa que eu sabia ou me importava era que Alice estava à nossa frente, liderando um exército para longe da cidade, e me esperando para ajudar. Meu plano brilhante agora parecia a missão suicída que era. Minha Alice estava em perigo, e embora eu soubesse que ela poderia facilmente evitar o exército, nunca corri tão rápido na minha vida.

Alice, Mai-Li e Lena estavam levando os recém-nascidos ao norte, ao longo do rio Hudson, para o Parque Estadual Bear Mountain e para a grande extensão da Academia Militar de West Point. Ela tinha visto que a base militar estava tendo prática de tiro ao alvo, e o barulho das explosões poderiam esconder os sons da batalha. Nós havíamos escolhido levá-los para longe da cidade porque Carlos nos queria presos dentro de um edifício, e nós não iríamos deixá-los fazer isso.

Corremos até o lado do Hudson e pegamos o cheiro do exército logo depois. O exército de recém-nascidos tinha pouca coisa na questão de treinamento, porque eles deixaram um rastro de destruição e morte em seu caminho. Contei dezessete corpos, os quais tivemos que atirar no rio. Eu odiava perder tempo limpando a bagunça deles. O cheiro de nossos inimigos misturado com o cheiro de nossas companheiras silenciaram todos nós e nos obrigou a correr tão rápido que nunca teríamos sido capazes de seguí-los se não soubéssemos seu destino.

O vento estava gritando tão alto em meus ouvidos enquanto eu corria que quase perdi o primeiro grito de batalha. Era um rugido vitorioso, seguido por vários burburinhos baixos de aprovação. Tínhamos acabado de entrar na parte selvagem do parque, e comecei a procurar desesperadamente pelas marcas que Alice havia descrito: a estreita ponte atravessando o Hudson e, então, o topo cheio de pedras do Bear Mountain à minha esquerda.

Uma vez que localizei a área, mergulhei para dentro da floresta até chegar em um caminho humano que seguia para uma torre perto do topo da montanha. Em poucos segundos, eu estava na torre, e na frente do exército que avançava abaixo. Nós homens estávamos posicionados em uma forte posição de combate na montanha. Vasily estava no meu calcanhar e Chi-Yang e Ivan estavam por trás do exército, criando as mandíbulas de uma grande armadilha. Eu podia ouvir e sentir a selvageria do avanço do exército recém-nascido ruidosamente cercando a área. A gelada sensação do meu próprio pânico ultrapassou o grito fervoroso dos recém-criados enquanto lentamente me segurava em mim mesmo.

Eu não conseguia sentir nada além dos recém-nascidos. Alice e os outros já deveriam estar aqui, mas eu não conseguia sentí-los. Quase voei para cima do exército devido ao meu crescente medo, mas antes que pudesse andar meia dúzia de passos, de repente eu consegui sentir as mulheres vindo rapidamente em nossa direção. Alice finalmente deve ter nos visto aqui.

Antes que eu pudesse sequer sentir um forte sentimento vindo de minha companheira, ela e as outras duas passaram rápido através das árvores para ficarem atrás, entre Vasily e eu. Se não fosse por meus anos de experiência, eu teria sido distraído pelo alegre alívio ao ver Alice. Agora, porém, minha visão mudou para vermelho brilhante enquanto eu me agachava para protegê-la.

“Não se atreva!” Ouvi-a gritar atrás de mim, e uma onda de pura exasperação partiu dela. Aquela confusa mulher estava com raiva de mim por protegê-la. Infelizmente a minha resposta sarcástica nunca deixou minha boca, porque a primeira onda de recém-nascidos atacou naquele momento.

Eles foram treinados, mas muito pouco. Nosso plano dependia fortemente da inexperiência deste exército. Ivan e Chi-Yang não estavam somente fechando os dentes de nossa armadilha, eles também estavam tentando encontrar e matar os dois capitães, porque assim que eles fossem eliminados, o exército seria bastante simples de se quebrar.

Senti a raiva alegre dos recém-nascidos em torno de nós, mas meu foco vermelho era apenas naqueles dentro do meu alcance. Eu venci dois com facilidade, usando algumas testadas e aprovadas técnicas de arremesso com as quais estes novatos não eram páreos.

“Pare de ser fominha. Eu preciso de alguns, Jasper”, resmungou Vasily atrás de minhas costas, então eu lancei-lhe o próximo que vinha em mim. Morro abaixo, ouvi gritos e sons de trovão. Ivan e Chi-Yang estavam ambos trabalhando arduamente. Senti o medo esmagador da morte golpeando minha sanidade mental vindo de todos ao meu redor, mas me recusei a ceder à isso.

Senti Alice se alegrar com vitória quando ela conseguiu derrubar um, e lancei à ela um furioso olhar enquanto eu pegava outro recém-nascido. Ela botou a língua para fora para mim e se esquivou de um recém-nascido antes de saltar com destreza em suas costas.

“Jasper”, gemeu um muito chateado Vasily. Suspirei e lhe entreguei o recém-nascido já quebrado de modo que pudesse retirar a cabeça. Realmente, estes russos eram mais reclamões que nova-iorquinos.

O exército, que tinha sido de no mínimo 15 fortes homens, estava em ruínas, e Lena já tinha se afastado para começar o fogo no topo do Bear Mountain. Vasily capturou os dois últimos recém-nascidos que estavam tentando fugir, mas um deles colocou seus fortes braços ao redor de seu peito. Corri para impedir que o recém-nascido o esmagasse enquanto Vasily rugia para mim em fúria e frustração. Ele não queria compartilhar nenhuma morte. Vasily rapidamente arrancou a cabeça de um recém-nascido, enquanto agarrei aquele que o segurava. Nós puxamos seus braços juntos. Vasily rosnou para mim, e eu larguei o membro que se contorcia enquanto ele começava a desmembrá-lo alegremente.

“Jasper! Os três últimos estão fugindo”, disse Alice enquanto ela passava correndo por mim montanha abaixo. Eu segui em seu encalço e Vasily foi logo correndo atrás de nós. Seguimos diretamente na trilha dos vampiros que fugiam, e cada um pegou um. Usei uma técnica de salto que Chi-Yang tinha me ensinado, Alice parecia fazer piruetas em torno do recém-nascido até que ela pôde atacá-lo por trás, e Vasily simplesmente o jogou contra uma velha árvore que caiu com o golpe. Ele estava rindo como um garotinho enquanto nós rapidamente voltávamos ao topo da montanha com nossas vítimas.

“Pare!” Ivan gritou por detrás da linha das árvores. Ele e Chi-Yang estavam trazendo os braços cheios de entulho de vampiro, mas ele parecia estar tendo problemas em segurar a sua carga. Alice engasgou no mesmo momento em que percebi a razão para o problema de Ivan; ele estava tentando segurar as partes de pedra apenas com um polegar e um dedo indicador em sua mão direita. O restante dela se foi, e tudo o que restou foi uma marca profunda em formato crescente. Metade da sua mão tinha sido arrancada com dentadas.

“Quantos você queimou?” perguntou ele em pânico.

“Oito”, Lena falou baixo para nós com um leve olhar doente em seu rosto.

“Maldição! Me ajude a olhar nesses”, ele ordenou enquanto jogava seus pedaços no chão e começava a quebrar as cabeças e os torsos em busca de seus dedos perdidos. Todos nós o ajudamos a destruir os rostos, pescoços e barrigas dos vampiros que tínhamos, mas sua mão não pôde ser encontrada. Vasily e Lena partiram para investigar a área enquanto nós agora queimávamos as infinitamente pequenas pedras brancas. Ivan manteve uma mão para fora das chamas, na esperança de unir os dedos dessa mão à sua. Eu não poderia imaginar que isso funcionasse, mas quem sabe valesse a pena tentar. Todos nós participamos da busca por seus dedos até que o amanhecer nos obrigou a parar. A perda de parte de uma mão enfraqueceu todos os nossos espíritos.

A chuva que Alice tinha previsto chiou sobre as cinzas quentes enquanto o fogo se extinguia. Eu podia dizer pelo cheiro que esta seria uma forte tempestade, que não só manteria os visitantes longe, mas também limparia qualquer vestígio da batalha. As emoções de nosso grupo eram diversas enquanto corríamos para casa. Vasily sentia-se triunfante, Ivan estava compreensivelmente chateado e aborrecido, e Chi-Yang estava felizmente satisfeito. Matar era como um elixir para ele. As meninas estavam simplesmente aliviadas.

Alice, porém, também sentia uma frustração tremenda. Apesar de todas as suas visões, seu amigo tinha sido ferido, e não tínhamos encontrado Carlos. Isso não me surpreendeu, mas a irritou. Ninguém falou de Carlos até que retornamos para a casa de Ivan. Uma vez que tínhamos parado de correr, Alice começou imediatamente a tentar ver o nosso inimigo mais seriamente. Ela estava tendo visões durante todo o caminho de casa, e eu não tinha idéia do que ela estava vendo, mas suas emoções tinham ficado mais e mais amargas à medida que nos aproximávamos da casa.

“Você conseguiu encontrar alguma coisa?” Mai-Li perguntou enquanto recolhia suas coisas antes de retornar para sua casa. Alice apenas balançou sua cabeça miseravelmente.

“Estou tendo todos os tipos de visões, mas nada dele,” disse ela com uma queda de seus ombros.

Coloquei meu braço em sua volta e puxei-a para o meu lado. Esta batalha e nossa necessidade de confiar tão pesadamente em seu dom a exaustaram. Alice respondeu deitando sua cabeça contra meu peito e fechando os olhos. Eu podia sentir seu cansaço profundo, o que não tinha nada a ver com seu corpo e tudo a ver com sua mente. Ela não estava somente sobrecarregada tomando conta de nós, mas ela estava irritada e com medo de alguma coisa. Tentei ajudar, empurrando ondas de paz e felicidade para ela, mas a batalha tinha sugado minhas energias igualmente.

“É como o Barracuda opera. Ele envia um exército rápido como relâmpago, mas permanece fora do alcance”, disse eu, suavemente.

“Me deixa furioso pensar que ele está por perto”, Ivan resmungou enquanto erguia sua mão danificada. “Ele me deve por isso.”

“Nós encontramos seu esconderijo duas vezes”, eu disse com uma careta. “Ele estava tão perto de nós que ele poderia dizer exatamente o que estávamos fazendo o tempo todo. É assim que ele trabalha, ele se posiciona em um lugar familiar que você conhece e deveria ter visto, mas nunca pensou nele.”

Senti Alice ficar em branco, e depois voltar com uma onda de puro ódio. Seu rosnado baixo nos deixou imediatamente na defensiva.

“Ele está na casa de Paul”, ela sibilou violentamente. “Eu o vi na frente da lareira. Ele tomou a casa dele.”

O rugido feroz de Ivan abalou a casa e rapidamente cessou enquanto ele corria estrada abaixo. O resto de nós seguiu depois dele, cada um dos outros espelhando a sua ira. Esses vampiros não eram mais apenas clãs protegendo suas casas, eles estavam agora em uma missão de vingança para matar a origem da dor do passado. Eu podia sentí-los todos revivendo guerras antigas e trazendo à tona memórias dolorosas, até Alice.

Eles estavam tão preocupados com sua presa que nenhum diminuiu sua velocidade em nada, mesmo quando as ruas começaram a se encher com vida e o sol fez as nuvens ficarem finas acima. Pensei primeiramente que talvez eu precisasse fisicamente impedi-los de arrombar a porta da casa de Long Island, mas esses guerreiros foram disciplinados o suficiente em seu passado, para que assim cada um deles simplesmente deslizasse para as árvores atrás da casa e olhassem em silêncio para Alice.

“Ele está esperando por alguma coisa”, ela balbuciou, mal sequer respirando as palavras. “Eu posso vê-lo lá com mapas ao seu redor. Ele só está esperando.” Ela parecia perplexa por um momento, e então seus olhos se arregalaram e ela soltou o mais suave dos engasgos. Ela correu para o limite das árvores na parte de trás da casa e saltou para o chão, olhando fixamente para a porta dos fundos. Nós todos fizemos exatamente a mesma coisa.

Se ela não tivesse nos feito olhar, realmente olhar o que estava acontecendo, nem mesmo os nossos perfeitos olhos de vampiro teria captado a leve onda que tracejou por nós. Foi uma estranha mudança de cores e luz, como uma pequeninha onda de água atravessando o ar. Então a porta da casa abriu, e uma menina muito jovem saiu da ondulação.

Ela era deslumbrante de se olhar. Seu rosto era mais perfeito do que qualquer outro que eu já tivesse visto. Sua face angelical parecia totalmente inocente e indefesa enquanto era envolta por cachos negros que caíam até sua cintura em cascatas. Tudo a respeito dela demandava amor e proteção. Ela estava nua, e tinha sido transformada tão jovem que seu corpo era pequenino e mostrava apenas o menor indício que ela era do sexo feminino. Ela pegou um vestido que estava perto da porta, jogou-o graciosamente sobre sua forma angelical e entrou.

Esta era a resposta. Foi assim que ele fez. Carlos fez o impensável e conseguiu transformar uma criança. Senti a raiva e a repulsa de todos nós enquanto percebíamos o que ele tinha feito e o que devíamos fazer agora. Ninguém aqui queria destruir esta perfeita e preciosa garotinha. No entanto, nenhum de nós podia permitir Carlos escapar.

Sem um som, Mai-Li correu e segurou a porta antes de fechar enquanto Lena e Vasily andaram para a frente da casa para esperar o nosso sinal. Nós nos movemos com rapidez e silêncio em direção às suaves vozes no que deve ter sido a sala de estar da casa.

“Você tem certeza, niña?” Uma voz masculina perguntou suavemente. Apenas um pequeno indício indicava a insatisfação de suas palavras.

“Claro que tenho certeza,” disse a criança em espanhol. Sua voz era musical, como as notas de uma perfeita flauta ou harpa, cada palavra soando etérea. “O exército está completamente destruído. Higgins correu quando viu os outros caírem, mas o resto já se foi. Estou com fome,” o choramingo na voz dela não combinava com o tom perfeito da mesma.

“Vou deixar você ter alguns, mas então você deve ir e ver que planos eles estão fazendo. Vamos embora logo, mas preciso entendê-los melhor primeiro.”

“Você só quer matar aquele chamado Jasper”, disse o anjo. “Eu estava perto o suficiente dele, você deveria ter me deixado lutar.”

“Não, pequena. Eu fiz isso uma vez, e custou-me meu filho. Não vou perder a minha filha também”, ele sorriu para ela com adoração, e pegou seu rosto em suas mãos.

Foi Chi-Yang que liderou o primeiro ataque. Ele correu, pegou a criança e atirou-a para sua companheira. A pequena coisinha simplesmente chacoalhou-se para fora de seu alcance, rasgou seu vestido, e esvaiu-se na onda. Percebi que ela não desapareceu, mas pareceu envolver as cores que a cercavam ao redor de seu corpo. Ouvi ela gritar, então ela começou a correr freneticamente ao redor da sala, parecendo querer esconder e atacar ao mesmo tempo.

Carlos foi capaz de chegar por trás de Chi-Yang, e tentava dobrar sua coluna quando o corpo de Ivan se encontrou com os de ambos. Eles bateram na enorme lareira e a casa rangeu com o estrondoso impacto. A parede cedeu e as pedras caíram no chão à nossa volta.

Alice e eu tentamos encurralar a criança, mas seu talento fenomenal fez dela quase impossível de capturar. Mesmo Alice não poderia pegar algo que ela não podia realmente ver. Além disso, ela não tinha coração para machucar a criança, nenhum de nós realmente tinha. Era a maior defesa que uma criança tinha, tudo sobre elas levavam os outros a quererem protegê-las e amá-las. Era isso que atraía as presas e os clãs que as mudavam. Clãs inteiros lutaram até a morte em sua proteção.

Vasily se juntou à luta, e a parede que separava a sala da cozinha veio abaixo, trazendo uma grande parte do teto com ela. Alice, Lena e eu estávamos danificando paredes e escadas enquanto tentávamos agarrar a garotinha. A casa inteira estava tremendo com os golpes.

Com um grito de triunfo, os três homens conseguiram envolver seus braços ao redor do espanhol de grande porte, e imobilizá-lo. Ivan tinha a cabeça de Carlos presa totalmente em uma gravata, enquanto Vasily e Chi-Yang seguravam cada braço.

E então aconteceu o impensável. Um choro angustiado, totalmente de partir o coração veio da pequena criança, e ela estava subitamente envolta em Carlos, segurando-o e tremendo enquanto ela chorava, “Padre, mi padre”. Sua voz era um apelo angustiado, e todos os vampiros na sala congelaram.

“Por favor, não! Não matem meu papai!” Ela lamentou, ainda se segurando no vampiro que considerava seu pai. Ninguém se mexeu.

Com repugnância e um imenso esforço, me movi na direção da criança, e tentei acalmá-la enquanto tirava seus braços de Carlos. Suas roupas se rasgaram enquanto ela lutava para segurá-lo, mas Lena, Alice e eu, pudemos finalmente puxá-la para longe dele. Apesar de seus patéticos pedidos, Carlos devia ser destruído.

No instante em que suas mãos estavam livres dele, a criança começou a gritar e a se debater, sua voz chegando a níveis altíssimos enquanto a puxávamos para longe. Lena e Mai-Li a levaram para longe de mim, ainda gritando em medo e perda.

“Lá embaixo”, eu disse, elevando minha voz acima de seus lamentos. Talvez a miséria que eu podia sentir vinda do porão da casa seria o suficiente para manter a criança ocupada enquanto lidávamos com seu criador.

“Alice”, sibilou Vasily enquanto ele mantinha o vampiro se debatendo, “Você se importaria de ter a honra? Sua visão nos trouxe essa vitória. Assim como suas mãos mataram o filho, elas podem matar o pai.”

A reação de Carlos me chocou. Eu estava esperando raiva com a revelação de que ela era o assassino de seu filho, mas em vez disso, uma onda de compreensão e frustração fluía dele.

Você?” ele cuspiu nela, veneno respingando em seu rosto. Mas ele não quis dizer isso como uma acusação. Era um suspiro de reconhecimento.

Antes que eu pudesse impedí-la, Alice habilmente removeu a cabeça dele com um olhar de triunfo em seus olhos. Os outros rapidamente despedaçaram o corpo e deixaram as partes no mesmo lugar que elas caíram, para que pudessem se contorcer em agonia. Apreciei vê-lo ser despedaçado, na verdade eu teria ficado completamente excitado, exceto que a reação de Carlos à Alice me fez sentir que, de alguma forma, havíamos deixado algo passar.

No silêncio repentino da casa que lentamente desmoronava, um solitário grito humano surgiu, e a residência foi inundada com o cheiro de sangue fresco. Alice engasgou, e subitamente desapareceu, descendo as escadas para o horror que eu sabia que lá estaria. Corri atrás dela, na esperança de impedi-la de se tornar o que ela odiava, mas eu não consegui alcançá-la rápido o bastante. Já fazia mais de uma semana desde sua última refeição, e o porão estava impregnado com o cheiro de sangue e o desprezível sentimento de desespero. Na fração de um segundo que levou para eu descer até a prisão temporária que mantinha o banquete humano de Carlos, Alice já tinha drenado uma mulher de meia-idade. Eu nem sequer tentei impedí-la enquanto ela passava para um dos últimos poucos sobreviventes, um homem alto que se estava sentado numa posição fetal em um canto. Mais dois da patética dispensa humana ainda viviam, mas eles estavam quase loucos de fome, sede e medo. O cheiro podre estava tão forte aqui quanto o de sangue.

Quantas vezes nós fizemos tais prisões para Maria e seu exército? Quantas vezes eu me alimentei a partir de um buraco como este?

Senti uma alegria da criança enquanto ela tirava a vida de um dos dois últimos seres humanos. O ultimo humano era um magro rapaz, talvez no final de sua adolescência. Ele estava sentado com os olhos fechados e seus lábios se movendo em uma oração silenciosa. Seus braços estavam estendidos, tentando debilmente proteger uma mulher mais velha atrás dele. Ele não percebeu que ela já estava morta. Ela morreu aqui há algumas horas, talvez de sede, mas ele ainda tentava protegê-la.

Eu podia sentir a sua coragem. Eu podia sentir o seu inocente auto-engano que, de alguma forma, ele poderia parar o que era certo para acontecer. Este rapaz teria sido um bom soldado, e ele me fez lembrar dos meninos que eu já havia liderado. Ele me lembrou do garoto morto há muito tempo que eu fui uma vez, e sua força fez ressurgir o humano se debatendo em mim. Em honra à sua força interior e às lembranças dos garotos que já liderei, quebrei seu pescoço por ele. Era o mínimo que eu podia fazer.

Eu sabia o que deveria acontecer agora, mas o simples pensamento do ato era insuportável. Eu podia sentir o peso de tudo o que tinha acontecido hoje, do que eu tive que me tornar pelos últimos dias, e eu não podia suportar isso. Caminhei até Alice, que estava agora olhando por cima do corpo do homem, e tremendo. Sua vergonha e auto-reprovação voavam dela como dardos venenosos. Eu queria tirar sua dor, mas agora me faltava a força. Eu precisava tirar nós dois aqui.

Toquei levemente no ombro de Alice, e ela subitamente se envolveu em torno de mim em um forte aperto com sua cabeça enterrada em minha suja e rasgada camisa. Eu a puxei escada acima, através da sala e até o segundo andar, onde pouco dano havia sido feito. Tomei seus sentimentos e tentei mais uma vez enviá-la paz enquanto eu tentava encontrar força suficiente para lhe mandar o amor que eu sentia por ela. Era difícil encontrar os puros sentimentos no meio da batalha e da morte, mas eventualmente fui capaz de enviar-lhe um laço de amor, e ela respondeu com um fio de esperança. Eu não estava acostumado a tanto desespero vindo dela, e me preocupei de que esta batalha tivesse lhe custado muito caro.

“Alice, amada, fale comigo”, eu implorei. O rosto dela se ergueu lentamente e seus olhos olharam dentro dos meus. Eu não pude evitar que o choque que senti fosse mostrado em meu rosto. Meu anjo estava diante de mim, parecendo profundamente miserável e ostentando os olhos de um demônio.

“Jasper”, disse ela, quase sussurrando. “Jasper, você estava certo. Nós não podemos fazer isso. Não podemos viver como vampiros e amar como pessoas. Vampiros realmente não podem viver. Não é possível, não é?”

Ela estava tão quebrada que me desesperei em ajudá-la.

“Você pode ser boa, Alice. Se alguém pode, é você. Você não quis matar aqueles humanos, eu sei que você não quis. Sinto tanto. Mas agora acabou, amada, temos paz e podemos ficar juntos. Já acabou agora.”

Ela balançou sua cabeça e colocou-a de volta no meu peito.

“Jasper, não podemos ficar juntos e viver aqui. Eu não devia ter voltado. Eu deveria ter confiado em mim mesma e deixado este lugar e esta vida. Se ficarmos, vamos perder um ao outro, e vamos perder a nós mesmos. Nós não podemos viver como vampiros, e eu quero viver.” Sua voz continha um intenso fervor que eu não tinha ouvido dela antes.

“Se isto é sobre os humanos que você matou então-”

“Trata-se de nós, Jasper. Isto é tudo sobre nós. Esses humanos nem sequer tinham futuros que eu pudesse ver porque seus caminhos se cruzaram com um vampiro. Você não vê? Nós realmente somos a morte enquanto escolhermos este caminho. Não posso ser assim. Eu escolho vida. Jasper, por favor, me ajude a escolher a vida“.

Seus olhos rubros estavam implorando, e embora não a entendesse, eu sabia que o que fosse que ela precisasse, eu faria. Eu andaria através do fogo do inferno por ela.

“Diga-me o que você precisa.”

“Se eu disser que precisamos partir, você iria? Isso é tudo, só preciso que você diga que vai se eu disser para irmos,” ela disse, mas sua voz e suas emoções vacilavam na incerteza.

“Tudo que você precisar”, eu disse, verdadeiramente.

Alice me olhou com um pequeno sorriso antes que seu rosto ficasse vazio e, em seguida, ele se contorceu em estado de choque. De repente, um raio de puro medo me atravessou tão intensamente que eu me dobrei com a dor e gritei. Isto foi além do ardente medo da morte, este era puro terror sentido através da mente e do coração de uma criança. Os braços de Alice me envolveram enquanto o grito estridente de morte rasgava o ar.

A criança havia sido despedaçada.


[Alice]

Segurei-me na forma tensa de Jasper, enquanto ele se contorcia com as emoções da criança. Eu já tinha visto o horror de sua morte apenas um momento antes de ela acontecer. Chi-Yang tinha feito isso. Ele era o único que podia.

Tentei apagar da memória a visão, mas ela se queimou em minha mente tão profundamente que eu sabia que levaria a cena comigo para sempre. O lindo anjo estava sendo segurado por Lena quando Chi-Yang simplesmente se levantou e rasgou seu pequeno corpo em dois.

O que eu tinha testemunhado em minha mente Jasper agora sentia, e eu não podia imaginar sua dor.

Meu lindo, doce e gentil homem havia quase sido destruído novamente nessa passada semana quando o soldado veio à frente para o combate. Agora esse mesmo homem estava sentindo a morte de uma criança como se fosse sua própria. Ele tinha me dado grande força, e agora eu recolhi o que restava de força em mim para enviar de volta para ele.

Nós dois devíamos parecer patéticos no antigo quarto de Gregório. Nenhum de nós tinha muito restante para dar, mas nos agarramos um ao outro enquanto passávamos pelo horror e a dor da batalha. Depois de alguns minutos, Jasper se levantou e inspirou profundamente algumas vezes. Seu corpo tinha empurrado o pequeno anel que estava pendurado em uma corrente contra meu peito. Embora o anel e eu estivéssemos na mesma temperatura, ele parecia queimar dentro de mim enquanto eu pensava sobre a escolha que estava à minha frente agora. Esse anel, e o amor que ele representava, dependiam de mim para sobreviver. Era um fardo que Jasper não podia compartilhar.

“Eles estão esperando por nós”, ele disse. Minha mente focou no piso principal por um momento, e vi os outros que estavam parados ao redor de uma pilha de pedras. Seus rostos estavam implacáveis e sérios.

“Você promete? Você irá partir se precisarmos?” Perguntei-lhe novamente.

“Ainda acho que este é o melhor lugar para você, mas se você souber de outra maneira, então nós podemos ir embora. Eu quero paz também, Alice, mas preciso de proteção para você. Eu não posso te perder”, disse ele em uma quieta voz.

“Eu sei”, sorri quando peguei sua mão. O anel ficou pesado na corrente em torno do meu pescoço. “Tenho uma escolha a fazer agora, e o resultado vai nos afetar para sempre. Vou tentar tomar a melhor decisão.”

Inspirei profundamente, e desci as escadas para tomar uma decisão que iria nos mudar para sempre.

Há muito tempo atrás, eu tinha estado numa encruzilhada como essa. Acho que eu já estive assim muitas vezes, e nenhuma dessas escolhas foi fácil. Eu tinha virado as costas contra a minha natureza, para me tornar o que eu desejava. Dei as costas para o meu desejo de encontrar o meu companheiro para me tornar uma mulher digna dele. Eu dei as costas para os meus amigos e os deixei nas planícies da África, para voltar à uma vida que não era nada mais do que a promessa de um futuro possível. Mas essa encruzilhada era diferente das outras. Aqueles caminhos levam à morte e à perda, mas eu não sabia qual iria nos destruir.

Durante os últimos dois dias, visões rápidas tanto de glória quanto de morte passaram repetidamente pela minha mente. Mesmo quando tentei ver o futuro imediato, confusas visões de um futuro nebuloso irrompiam se tornando cada vez mais claras e conflitas a cada hora que passava. A única vez que encontrei alívio delas foi na batalha. Era como se Jasper e eu estivéssemos condenados a um destino do qual não pudéssemos escapar.

Mesmo essa casa estava condenada. Planejamos abrir o gás e acender uma vela em um quarto no andar de cima quando saíssemos. Nada que restaria após a explosão de gás daria idéia alguma do que realmente tinha acontecido aqui.

Nada que restasse depois que eu partisse denunciaria o que fiz aqui também. Esta era a maldição de nossas vidas sem fim, estar eternamente aqui e ainda assim não deixar traços de nossa existência quando partíssemos. Os que viviam em Nova York nunca saberiam que eu tinha estado na cidade.

Fiquei parada perto da janela enquantos eles me suplicavam. Eu podia estar na casa quebrada de velhos amigos, mas senti que estava em um precipício que não tinha nenhuma descida segura. Não importava o caminho que escolhesse, eu poderia cair.

“Alice”, Ivan ronronou. “Nós estamos te oferecendo a cidade. Tudo isso é seu, é só dizer. Você e Jasper podiam nos governar aqui, e estender sua influência sobre toda a Costa Leste. Pense nisso! Você poderia ser uma rainha aqui. Apenas prometa ficar conosco, e vamos seguir cada palavra sua. Nós juramos.” Sua voz era tão suave e ainda sim tão passionalmente fervorosa ao mesmo tempo.

Era isso. Esta era a encruzilhada. E eu não sabia que caminho tomar.

Olhei para Jasper. Seus olhos estavam para baixo, mas seus punhos estavam cerrados. Eu sabia que ele sentia-se preso entre seu impulso irresistível de me proteger e sua necessidade desesperada de paz. Esta era uma decisão minha, mas não achava que seria tão difícil assim. Minha vida inteira foi totalmente focada em três coisas: encontrar Jasper, encontrar minha família, e encontrar a mim mesma. Jasper estava aqui, eu não podia mais ver minha família, e agora eu duvidava de mim mesma. Uma vez eu tinha sido tão certa do meu caminho, mas agora a estrada estava borrada ao ponto de obscuridade.

Virei-me para olhar para a noite através da janela. Meus olhos vermelhos olharam de volta para mim, carregando tanto condenação quanto promessa inegável.

Seria tão fácil. Tão, tão fácil. Ficar era tão perfeitamente simples.

Algumas vozes humanas podiam ser ouvidas enquanto a cidade silenciava para a noite que chegava. As vozes e o doce sangue que elas prometiam me chamavam da rua, e a besta dentro de mim rugiu em deleite. A memória de nossa vitória e do sangue humano que eu havia provado cortavam através de tudo o que eu tinha lutado para me tornar, e ela deixava a besta cada vez mais perto da superfície. Eu estava tão perto de me tornar o vampiro que eu odiava; aquela vampira parecia tão tentadora agora.

Eu ansiava por ver minha família e deixar que seus risos e olhos dourados me chamassem de volta para mim mesma. Mas eles não vieram. Que escolha eu tinha feito para afastá-los de minha mente?

Uma buzina tocou, e olhei para o pôr do sol de Nova York. Eu poderia proteger os seres humanos daqui, a cidade e meus amigos. Eu poderia ser uma grande e benevolente líder e, finalmente, trazer paz. Acalmei minha mente e foquei nesse caminho. Era o que Jasper queria, ou pelo menos dizia que queria.

Durante os últimos dois dias, as visões do meu futuro se tornaram de vagas possibilidades para pesadelos contínuos. Entre as constantes visões de guerra, meu futuro tinha sido torcido e girado até eu mal compreender o que eu estava vendo.

Puxei o meu futuro para minha mente, esperando que a visão correta viesse e eu pudesse fazer minha escolha. Ela veio de forma rápida e clara. Estávamos todos dançando em um grande salão. Nossos vestidos e roupas de gala eram gloriosos à luz de um grande lustre. Eu não sabia se era uma casa ou um salão de baile, mas a cena trouxe de volta boas lembranças dos dias de glória de Nova York. Percebi que meus olhos eram amarelos enquanto eu era girada por Jasper. Nós estávamos dançando e sorrindo com os outros, e a vida era exatamente como eu tinha sonhado que poderia ser. Sim. Eu poderia trazer de volta aqueles dias fabulosos.

Senti-me relaxando enquanto finalmente fazia minha escolha, e senti a resposta de Jasper ao meu lado. Ele tinha se movido para entre os outros e eu. Sorri; ele estava protetor, como sempre.

Antes que eu pudesse me virar para ele, várias cenas me inundaram de uma vez. Minha decisão tinha desatado uma inundação, e um turbilhão de visões me atingiram como uma rajada de balas. Batalhas, várias delas, rasgaram sem controle em minha mente seguida pelas chamas inevitáveis, mas eu não conseguia ver quem estava nelas. Depois estávamos dançando novamente, mas, embora os vestidos fossem brilhantes, os nossos sorrisos tinham ido embora, e meus olhos estavam vermelhos. Então as cenas mudaram, e em futuros incertos, eu estava sozinha, com os olhos vermelhos e um rosto de dor. Senti meu corpo inspirar ar profundamente enquanto minha mente absorvia a agonia gravada em meu rosto. À minha frente estavam outros, muitos outros. Os outros vestiam mantos.

Com determinação, a última visão abalou tudo o que eu era e tudo o que eu sabia. Ela estava em um futuro distante, mas era clara. Eu estava cercada por paredes de pedra, com olhos vermelhos e um rosto sem emoção, e eu usava o manto. Esta visão agora estava mais definida no tempo do que qualquer uma das outras. Se nós permanecêssemos aqui, o meu maior medo se tornaria realidade.

Engasguei tanto com a dor quanto com o terror do que vi, e os braços de Jasper estavam ao meu redor em um instante. Reflexivamente, agarrei-me em seu peito e o segurei firmemente até que a sua paz levasse as ondas de medo para longe.

Finalmente eu entendi.

Nós realmente não poderíamos ficar e viver. Por causa de nossos dons, ou especificamente o meu, eu nunca iria encontrar a paz aqui. Não importa o quão duro nós tentássemos, sempre haveria perigo, e um dia Jasper perderia sua vida me protegendo desse perigo.

Jasper tinha dito que não poderia ser um vampiro e amar, e ele estava mais certo do que ele mesmo sabia. Nenhum de nós poderia ser um vampiro e encontrar o amor que desejávamos.

Nós tínhamos que partir, e eu tinha de encontrar a família que estava perdida para mim agora. Meu futuro e a vida de Jasper dependiam disso. Nós não precisávamos da família por amor e companheirismo; precisávamos da família para sobreviver. Nossa única chance de salvação estava com a família de Carlisle.

Como uma brilhante aurora no final de uma longe e escura noite, a visão de nós correndo com a família por meio de um bosque perto de minha cabana me atingiu e partiu rapidamente. O alívio foi instantâneo, assim como a alegria absoluta que inundou meu coração.

Este foi o motivo da ausência deles. Eu não podia vacilar como eu havia feito. A decisão de viver como eu vivia tinha de ser absoluta, sem margem nenhuma para dúvidas. Eu poderia salvar Jasper, poderia me salvar, e poderia ter o desejo do meu coração, mas eu não poderia vacilar no meu compromisso com o que eu sabia que estava certo.

Agarrei a mão de Jasper, virei-me para os outros, e disse com um largo sorriso: “É minha hora de ir. Amo todos vocês, mas seus caminhos levam à morte.”

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